Uma mera amora

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Marlene Gil

Ela morava sozinha, plantava flores, mantinha uma horta e era solteira aos 35 anos. Tinha grandes olhos verdes, um rosto miúdo, a boca pequena e desbotada. Os cabelos sempre presos num coque mal feito. Magra, pálida. Chamava-se Amora.

Ele… Ele agora era um pesquisador. Procurava mulheres acima dos trinta e solteiras quando viu Amora mexendo nas flores do jardim. Com certeza era solteira e sem dúvida tinha mais de trinta! Bateu palmas. Os grandes olhos de Amora voltaram-se para o rapaz de sorriso largo. Levantou-se, limpou as mãos e dirigiu-se ao portão. Ajeitou os óculos.

– Pois não, senhor.

– Olá. Estou fazendo uma pesquisa e gostaria de fazer-lhe algumas perguntas. Você é uma mulher independente e tem mais de trinta anos, certo? Pode responder a algumas perguntas?

– Já começou a pesquisa? Amora tentava ser intimidadora. Quem era esse que de cara perguntava a sua idade?

– É só uma anamnese. É solteira? Mora sozinha? É professora, não é? Como se chama?

– Amora, solteira, moro sozinha, não sou professora e… por que quer saber?

Ele falou a respeito da pesquisa sobre mulheres solteiras, com mais de trinta anos e independentes. Amora disse que pensaria a respeito. Que voltasse depois. Por que achou que ela tinha mais de trinta? Sujeito insolente!

Durante alguns dias o rapaz procurou em vão, pois Amora evitava atende-lo.

Amora… Ele gostava muito da fruta e gostou da mulher. Insistiu. Palmas outra vez.

– Ah, de novo o senhor. É sobre a pesquisa?

– Pesquisa? Ah sim, é.

Amora aproximou-se e o rapaz logo começou: Pode me falar de você, seus desejos, sua rotina…

Ela resolveu falar. E o jovem voltou para ouvi-la outras e outras vezes. Amora esqueceu-se de perguntar pra que serviria a pesquisa, mas isso não importava agora. Queria vê-lo outra vez. Será que o assustara com a vida de uma mulher de trinta e poucos? Sacudiu os ombros e voltou à rotina.

Alguém no portão. Ora se não era o moço do sorriso bonito. Como se chamava mesmo? Ah, isso não importa. O que houve com a pesquisa? perguntou Amora.

– Que pesquisa? Ah, a pesquisa. É sobre jardins, ou frutas… Hortas, talvez?

Amora coçou a cabeça, pensou, olhou novamente aquele sorriso tão cativante, sorriu e disse:

– Claro, sobre hortas.

Ele era estranho, mas Amora gostava disso. Entraram, conversaram. E ele outra vez se foi. Ele e o seu sorriso bonito. Os dias se passaram e nem sinal do moço bem apanhado de sorriso tão encantador, até que, novamente, palmas no portão e lá estava ele. “Posso falar-lhe, senhorita?”.

Amora sorriu, olhou-o nos olhos e perguntou:

– É sobre uma pesquisa sobre qualquer assunto, certo?

– Ah sim, a pesquisa… Acho que já terminei. Encostou-se no portão, lançou o melhor de seus sorrisos e disse:

– Há dias tenho me dedicado a um único estudo: Amora. Estudo Amora.  Ah, só pra que saiba: sou solteiro, tenho mais de trinta e descobri que gosto demais de Amora…E então, podemos conversar?

Amora retribuiu o sorriso. Sim, poderiam, é claro, pelo bem das pesquisas.

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